sexta-feira, 22 de novembro de 2013

O Reino de Gana



O nome do reino vem da forma com que tratavam seu líder, o gana, “senhor do ouro”. Suas terras eram chamadas de Uagadu e, embora muitas fontes se refiram a Gana como um “império”, a nomenclatura é controversa. Os historiadores que a condenam defendem que impérios têm intenções expansionistas. Não era o caso de Gana, que não estava interessado em aumentar seus domínios. Queria, sim, multiplicar sua riqueza. Nem sequer as fronteiras do reino eram bem definidas. O importante era cobrar impostos e controlar os entrepostos comerciais.


              
O Reino de Gana ficava na região oeste da África, na área que compreende hoje o Mali e o sul da Mauritânia, alcançou seu ápice entre os séculos VII e XI. Através da captação dos recursos naturais, principalmente ouro e metais preciosos dos territórios dominados pelo reino, transformou-se na principal autoridade econômica da região. Desde já, percebemos a instigante história de um reino que prosperou mesmo não possuindo saídas para o mar e estando próximo a uma região considerada economicamente inviável.



As dificuldades geográficas explícitas da região começaram a ser superadas quando as populações da África Subsaariana (ou África negra) passaram a ter contato com a porção norte do continente. Graças à domesticação do camelo, foi possível que comunidades pastoris próximas do Deserto do Saara começassem a empreender novas atividades econômicas. Nas épocas de seca, os pastores berberes deslocavam-se para a região do Sael para realizar trocas comerciais com os povos da região.



 Soninquês

Entre essas populações se destacavam os soninquês, que ocupavam uma região próxima às margens dos rios Senegal e Níger. Esse povo começou a se organizar em comunidades agricultoras estáveis que se uniram, principalmente, por conta dos ataques de tribos nômades. A região que era rica em ouro aliou sua produção agrícola ao comércio na região para empreender a formação do Reino de Gana. Dessa forma, estabelecia-se uma monarquia no interior da África.


  Escultura soninquê

O Reino de Gana surgiu por volta do século IV como Estado centralizado. As fronteiras ocidentais seguem a linha do rio Senegal; as orientais perto de Tombuctu; embaixo são delimitadas pelo rio Níger e acima pela linha de Tebferilla. Costuma-se dizer que a origem do Reino de Gana remonta aos soninquês. O soninquê é um povo que habitou o Saara Ocidental antes dessas áreas se desertificarem - antes de Cristo.

Quando Gana se encontrava em ascensão política e econômica, no século X, foi dominada pelos soninquês, que estenderam o poder de Gana sobre as regiões auríferas do Senegal - da curva do rio Níger ao deserto do Saara. Essa dominação durou quase um século, enquanto isso os povos que ali viviam eram obrigados a pagar tributos sobre o comércio de mercadorias e a produção de metais preciosos. Por conta desse comércio, ocorriam constantes ataques nômades nas regiões, com isso os soninquês se organizaram politicamente e formaram um poderoso exército.

O Reino de Gana alcançou a altura de sua grandeza durante o reinado de Tenkamenin (1037 – 1075). Através de sua administração cuidadosa do comércio de ouro pelo deserto do Saara na África Ocidental, o império de Tenkamenin floresceu economicamente. Mas sua maior força estava no governo. Todo dia ele ia a cavalo e escutava os problemas e preocupações de seu povo. Ele insistiu que a ninguém fosse negada uma audiência e que lhes permitissem permanecer em sua presença até que a justiça fosse feita.


 Tenkamenin (1037 – 1075)

 
Sua organização política é motivo de controvérsia entre os historiadores que estudam o assunto. Mesmo possuindo um amplo território e uma organização política típica dos governos imperiais, Gana não possuía uma cultura militarizada ou expansionista. O Estado era mantido através de um eficiente sistema de cobrança de impostos localizados nos principais entrepostos comerciais de um território não muito bem definido.

Quanto à sucessão ao trono, ela era matrilinear: era o filho da irmã do rei que lhe sucedia. Segundo Ki-Zerbo, o escritor árabe Al Bakri diz que era para assegurar que o sucessor fosse sempre de sangue real, já que seu filho poderia não ser realmente seu filho. Mas Ki-Zerbo também cita Cheik Anta Diop, para dizer que o sistema matrilinear foi prática comum aos povos africanos e ligada ao seu caráter agrícola e sedentário.

O cavalo, visto que era ligado à pompa do estado, era o transporte do soberano. O gana (rei) só montava a cavalo e percorria a cidade, duas vezes entre cada levantar e pôr-do-sol, acompanhado pelos grandes do reino. A comitiva era precedida por tambores e pífaros, sendo os tambores utilizados em rituais ligados à religião e à corte, como mais tarde seria comum em quase todos os desfiles reais por África. Parece certo que havia tambores especiais para cultos religiosos e cerimônias da corte. O gana (rei) estava vestido de túnica, assim como o herdeiro presuntivo. O gana e seus escravos, cavalos cerimoniais e cachorros andavam ornamentados com muito ouro. Aos súditos era vedado usar túnicas ou roupas que sofressem costura, apenas podiam usar longos cortes de tecido, quando as posses o permitiam. Ao verem o gana, jogavam areia sobre suas cabeças. Os muçulmanos aplaudiam o rei.

Quando morria o gana, erguia-se uma grande cabana de madeira para acolher seu corpo. Ali se colocavam suas vestes, suas armas, os objetos que usara para comer e beber, e comida e bebidas. Conduziam-se para dentro do que seria o túmulo os criados que tinham servido ao rei. Ki-Zerbo diz que isso era para prevenir que não ocorreriam envenenamentos. Vedava-se a porta. O povo jogava terra sobre a cabana, até que houvesse uma espécie de colina. Ao redor, cavava-se um fosso. Ao morto, eram oferecidos sacrifícios humanos e bebidas fermentadas.

O poder do gana (rei) provinha da enorme quantidade de ouro produzida em seu reino. Este monopólio permitiu aos soninquês construir e manter enormes cidades, além de uma capital com uma população estimada entre 15.000 e 20.000 habitantes. A produção do ouro era usada, também, para desenvolver outras atividades econômicas, tais como a tecelagem, a ferraria e a produção agrícola.

A economia comercial de Gana atingiu seu auge no século VIII, ao interligar as regiões do Norte da África, Egito e Sudão. Entre os principais produtos comercializados estavam o sal, tecidos, cavalos, tâmaras, escravos e ouro. Esses dois últimos itens eram de fundamental importância para a expansão econômica do reino de Gana e o considerável aumento da força de trabalho disponível. Entre os mais importantes centros urbano-comerciais desse período destacamos a cidade de Bambuque.
 
O ouro era escoado principalmente para a região do Mar Mediterrâneo, onde os árabes utilizavam na cunhagem de moedas. Para controlar as regiões de exploração aurífera, o rei era responsável direto pelo controle produtivo. Para proteger a região aurífera, o uso de lendas sobre criaturas fantásticas era utilizado para afastar a cobiça de outros povos. O sal também tinha grande valor mediante sua importância para a conservação de alimentos e a retenção de líquido para os povos que vagueavam no deserto.

As cidades mais importantes comercialmente e politicamente a partir do século XI eram Kumbi Saleh (capital), 340 km ao norte da atual Bamako, no Mali. Outra grande cidade foi Audagoste. Com a concorrência de outras potências no comércio do ouro, o Reino de Gana começou a declinar.


 Kumbi Saleh (capita do Reino de Gana)


O reino de Gana começou a sentir os primeiros sinais de sua crise com o esgotamento das minas de ouro que sustentavam a sua economia. Além disso, após o século VIII, a expansão islâmica ameaçou a estrutura centralizada do governo. Os chamados almorávidas teriam empreendido os conflitos que, em nome de Alá, desestruturaram o Reino de Gana. A partir de então, os reinos de Mali, Sosso e Songai disputariam a região.

Em nome do Islamismo, os berberes, da dinastia dos almorávidas, vindos do Magrebe, atacaram e conquistaram Kumbi Saleh, rompendo a unidade do reino que a partir de então ficou dividido numa parte Norte muçulmana, comandada pelos almorávidas, e uma parte Sul, comandada pelos soninquês, onde se refugiaram os não muçulmanos.

O Reino de Gana recusou-se a se converter ao Islã. E assim o reino mergulhou em lutas tribais até o século XII, quando os últimos territórios ganenses foram incorporados ao Reino de Mali.





Quer saber mais sobre o Reino de Gana?
Leia o artigo abaixo, de Juan Torres, 
para a Revista Aventuras na História


 
 

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